Casar ou não casar, eis a questão.

Vida de Solteiro

Título Original: Singles
Gênero: Comédia Dramática

Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1992

Estúdio: Warner Bros. / Atkinson/Knickerbocker Productions
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Cameron Crowe
Produção: Cameron Crowe e Richard Hashimoto
Música: Paul Westerberg
Fotografia: Tak Fujimoto e Ueli Steiger
Desenho de Produção: Stephen J. Lineweaver
Direção de Arte: Mark Haack
Figurino: Jane Ruhm
Edição: Richard Chew

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Cameron Crowe se formou do Highschool quando tinha 15 anos de idade, três anos mais novo que a maioria dos estadunidenses. E então, passou a trabalhar para a revista Rolling Stones. Ele precisa de infusão de música como Popeye precisa de espinafre, e foi na direção de seu segundo filme (terceiro roteirizado por ele) que ele trouxe essa paixão para a grande tela.

Uma característica de Crowe é que os seus personagens crescem com ele. Se o seu primeiro filme conta o romance de um casal nas últimas férias de verão antes de irem para a universidade, em Vida de Solteiro ele narra as aventuras de seis jovens de vinte-e-poucos anos que moram em um complexo de apartamentos que tem forma de ferradura, no inicio dos anos 90, na chuvosa cidade de Seatle. Se você é consciente da cena musical dos anos 90, sabe que esse é o lugar certo e o momento exato para a explosão da música Grunge.

All my life / I'm waiting for somebody / Ah-ha-ha / come and take my hand

Logo na abertura do filme, ouvimos Paul Westerberg cantando os versos acima, da belíssima "Waiting for Somebody", enquanto os créditos correm soltos pontuados por imagens de Seatle. Logo mais, o filme não terá nem mesmo 5 minutos e outra música entrará em cena. É o início da era em que as trilhas sonoras marcam os filmes de Cameron Crowe.

Um prédio dividido em apartamentos super aconchegantes é o cenário e a vida de um grupo de amigos que têm pouca coisa em comum, além do endereço. A ambientalista Linda Powell (Kyra Sedgwick) e o engenheiro de tráfego Steve Dunne (Campbell Scott) formam o casal de solteiros convictos que se encontram em um bar de rock estão no dilema se devem ou não ter um relacionamento. Janet Livermore (Bridget Fonda) é a garçonete que trancou a faculdade de arquitetura e namorada fiel, porém infeliz de Cliff. Cliff Poncier (Matt Dillon) é o músico líder da banda fictícia Cietzen Dick que representa as bandas do momento. Eles têm um hit single chamado “Touch Me I'm Dick”. Cliff é o rockeiro neanderthal e engraçado que defende a natureza de um relacionamento aberto, enquanto ela é a garçonete depressiva e apaixonada que pensa em fazer uma cirurgia de aumento de seios para conquistar a fidelidade do namorado. Debbie Hunt (Sheila Kelley), a garota fixada com a idéia de achar o par-perfeito e um maitre que vive promovendo jantares gratuitos para seus vizinhos bacanas.

O filme dá um novo olhar sobre a saga das comédias românticas do tipo homem - e - mulher - se - procuram - se - encontram - vivem - felizes - para - sempre. Quando o casal romântico desse filme acaba, eles não ficam com mágoa mútua. Eles simplesmente passam de ser amantes para serem amigos – e frequentemente, é difícil notar a diferença. Esse é o tema de Vida de Solteiro: uma geração auto-protetora que enxerga o amor como um diferente estilo de amizade.

Os personagens são adolescentes super-crescidos, que continuam com a insegurança juvenil, trocando de parceiros como se amor fosse uma quadrilha de São João. Ao mesmo tempo em que são adultos e tem que arcar com as responsabilidades.

Nesse complexo de apartamentos, a pergunta a ser respondida é ficar solteiro é a solução para os nossos problemas? Uns diriam "sim", mas filmes como estes nos dizem que "não", não é a solução. A saída é evoluirmos como pessoas, passarmos a entender melhor as atitudes dos outros, sermos menos inflexíveis ao ponto de acharmos que só dói dentro de nós e de mais ninguém.

Vida de Solteiro recebeu publicidade por tratar da cena do grunge de Seatle sem necessariamente ser um documentário. os integrantes da banda fictícia Cietzen Dick (além de Matt Dillon) são ninguém mais ninguém menos que os músicos de verdade Eddie Vedder, Jeff Ament e Stone Gossard, galera de uma bandinha mais conhecida como Pearl Jam. E a música “Touch Me I’m Sick” do Mudhoney com algumas alterações da letra. Tim Burton também tem uma aparição como o diretor de vídeo clipes, e Crowe marca sua presença Hitchcockiana como sendo o repórter que entrevista a banda.

Reza a lenda que a película não contou com a presença de uma das bandas de maior influência na época, Nirvana, porque Kurt Cobain não se agradou com o filme. Pode-se não gostar do filme, assim como Kurt Colbain, mas uma coisa é certa: quer saber o que foi a cena grunge? Assista a Vida de Solteiro e saberá. E também como deixar passar a oportunidade de ver Matt Dillon e Bridget Fonda no início de suas carreiras?

O Iluminismo dentre os períodos Pós-Porky’s e Pré-American Pie

Digam o que quiserem

Título Original: Say Anything
Gênero: Comédia Romântica
Tempo de Duração: 100 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1989
Estúdio: Twentieth Century Fox
Distribuição: Twentieth Century Fox
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Cameron Crowe
Produção: Polly Platt
Música: Anne Dudley, Richard Gibbs
Elenco: John Cusack, Ione Skye,John Mahoney, Lili Taylor, Amy Brooks, Joan Cusack

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Que eu gosto dos filmes de Cameron Crowe, é obvio. Não, é descarado. Nem por um segundo faço questão de esconder a colossal admiração que sinto pelo homem que trabalhou na Rolling Stones Magazine entrevistando lendas como Led Zepellin, Dylan, Cream, Bowie aos tenros 15 anos de idade. Hoje, ele dirige todos os filmes que escreve. E se você pensar que se melhorar estraga, aqui não é o caso, ele é casado com Nancy Wilson que faz parte da banda Heart e dá o primoroso toque das trilhas sonoras singulares de seus filmes.

Mas, não é por causa do meu tietismo que sustento que Digam o que quiserem é um dos melhores (da enorme linhagem de) filmes de romance adolescente de todos os tempos. Senão for o melhor (agora sim, isso é um pouquinho tietismo). Até porque na época em que assisti, nem me interessava em inteirar-me com quem estava por de trás das câmeras do mundo cinematográfico.

Já em 1989, o jovem Crowe tinha um perfeito (porém curto) histórico cinematográfico. Ele estreou nas telonas em 1982 quando escreveu o roteiro de Picardias Estudantis. Filme que levou ao estrelato atores como Nicolas Cage, Sean Penn e Eric Stolts. Apesar de que, naquele momento, nenhum de seus projetos tenham sido considerados blockbusters, com os dois filmes Crowe provou ser um atento estudioso da natureza das relações humanas. A pretensão dele é proporcionar à audiência uma experiência rica e recompensadora.

O filme de debute direcional de Crowe, em disparidade com os outros filmes do mesmo gênero, não é recheado de cruéis piadas sexuais, nudez, população lobotomizados e subenredos pobremente definidos. Enquanto o filme vai avançando, pinceladas de estórias familiares são pintadas na tela do cinema. Mais uma vez, são os detalhes que dão cor ao enredo: personagens inteligentes e bem desenvolvidos, situações acreditáveis, fazem com que haja o nosso investimento emocional quase sólido nas personagens e nas circunstâncias do desenrolar do trama. Não há nada que super-explore os hormônios, nem que seja complacente com as bobagens exorbitantes que se faz quando temos a pouca idade para usar como desculpa. Capturando as nuances do primeiro amor Digam o que quiserem conta com um sutil humor como realmente é a cuidadosa construção do caminho à vida adulta.

Digam o que quiserem é basicamente um drama de três personagens que atravessam um verão repleto de eventos. No final do filme, nós não só ficamos cativos dos protagonistas, como os conhecemos, gostamos deles e torcemos para que as coisas acabem bem.

Lloyd Dobler (John Cusack) é um cara normal que está prestes a se formar no colégio. Quando Digam o que quiserem inicia, ele está se arrumando para sua cerimônia de graduação. Apesar de ele ter um futuro aberto, seu pai deseja que ele se inscreva no exército, mas Lloyd não acredita que isso seja apropriado para ele. Lloyd sabe que ele não quer trabalhar com vendas, compras ou processos, e que a única coisa que ele gosta de fazer e que é bom, é Kickboxing. O amor colegial de Lloyd é a linda e popular oradora da classe, Diane Court (Ione Skye). Lloyd a ama platonicamente, mas depois da graduação ele cria coragem e a convida para sair. Para o deleite de nosso protagonista, ela aceita. Eles, então, se direcionam para a casa de um dos colegas de classe onde ocorre uma festa de despedida do Highschool. Lá, ela aprende uma valiosa lição: enquanto ela é popular e conhecidas por todos, ninguém a conhece de verdade. Ela também descobre que diferente dos outros, Lloyd parece a compreender e passa a se afeiçoar por ele, apesar deles não terem virtualmente nada em comum.

Os pais de Diane são divorciados (o que era raro na época) e ela mora com o seu pai James (John Mahoney), um homem de negócios que gerencia um asilo. Ele tem um enorme apreço pela filha e mostra isso com presentes caros. As expectativas dele sobre o futuro dela a deixam muito pressionada. Quando ela recebe uma prestigiosa bolsa de estudos na Inglaterra, ele fica mais feliz do que ela. Ele desconfia profundamente de Lloyd, especialmente quando o jovem descreve sua aspiração de carreira sendo “passar o maior tempo possível com a sua filha”. E, com a chegada de dois fiscais da fazenda, o mundo de James vira de ponta cabeça.

O que faz Digam o que quiserem tão excepcional? Fácil, a qualidade da escrita. A intimidade com que a máquina datilográfica (ou caneta) de Crowe nos conecta com Lloyd e Diane. Crowe presta atenção nos pormenores, os microscópicos, como o momento em que Lloyd pausa nervosamente antes de digitar o último número do telefone de Diane ao ligar para convidá-la para sair pela primeira vez.

Teria alguém mais apropriado e para uma empatia instantânea da audiência com o personagem de Lloyd do que John Cusack? Cusack investe tal sinceridade ao retratar Lloyd que se torna impossível não torcer para que ele consiga a garota. Ele é o clássico deslocado, aquele deslocamento que nós todos sentimos algumas vezes. Ele é irresistível POR CAUSA de suas falhas e não apesar delas. Ione Skye é completamente acreditável como a garota doce e inteligente, que de repente, quer aprender a se divertir por ter dado conta que não tem apreciado a sua juventude. Apesar de não existir apelação sexual no filme, a química entre os dois está presente. O ator veterano dá o sentido de multidimensionalidade para o papel de pai opositor que frequentemente toma estaturas idióticas nesse tipo de filme. Embora o pai não goste de Lloyd, ele não tenta fazer estratégias maquiavélicas para afastar a filha, tampouco se torna em um bruto sem coração.

Digam o que quiserem é uma comedia adolescente romântica, mas ela procura manter proporções reais, ao invés da fantasia apresentada em outros filmes do mesmo gênero. O filme não é intelectual, mas inteligente. Ele não espera nada da audiência além da vontade do espectador de se de se desligar de seu mundo por umas duas horas e prestar atenção nesse casal. E a despeito do filme ter quase duas décadas, o seu tema é tão atual hoje quanto no dia que entrou em cartaz.

Quem mais poderia ter interpretado Drew Baylor?

Elizabethtown

Título Original: Elizabethtown
Gênero: Comédia Romântica

Tempo de Duração: 123 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2005
Site Oficial: www.elizabethtown.com

Estúdio: Paramount Pictures
/ Cruise/Wagner Productions / Vinyl Films
Distribuição: Paramount Pictures / UIP
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Cameron Crowe
Produção: Cameron Crowe, Tom Cruise e Paula Wagner
Música: Nancy Wilson
Fotografia: John Toll
Desenho de Produção: Clay A. Griffith
Direção de Arte: Beat Frutiger
Figurino: Nancy Steiner
Edição: Mark Livolsi e David Moritz
Efeitos Especiais: Digital Filmworks Inc. / Flash Film Works


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Elizabethtown é o tipo do filme que penso que tem uma estória super-bacana tanto que sou orgulhosa dona do DVD e até indico para outras pessoas, mas agarro-me a triste certeza que o ator principal meio que cagou tudo.

Basicamente, o filme é salvo por duas razões: é do Cameron Crowe – quem escravizou meu coração desde Quase Famosos, e a perfeição da trilha sonora – o esperado em todos os filmes dele.

A pergunta que não cala é: Por que diabos pensaram que o Orlando Bloom sabe atuar?

Tá, ele foi bem interpretando o eterno, etéreo, silencioso e quase gay elfo Legolas no Senhor dos Anéis. Ele também teve talento para manusear espadas em Piratas do Caribe, mas não há evidencia que prove que ele consiga sustentar um diálogo.

Em Elizabethtown, ele não brinca com armas, não mata, nem consegue se matar, mas, sendo o foco principal do filme, ele extermina diálogos belíssimos.

Lembrando o detalhe que ele está interpretando um personagem americano, ou seja, ele teria que ter um sotaque americano convincente. Então, quando ele fala, falha em um péssimo sotaque britânico.

Bloom simplesmente não é tão bom quanto o personagem principal, Drew Baylor. O personagem não fala muito, com exceção da narração mental em primeira pessoa. Ao invés, Crowe utilizou-se das expressões faciais para fazer com que Drew seja o tipo de cara que caminha pelo mundo alheio ao seu, encontra caracteres diversos e se sente transformado por eles.

Drew Baylor está no topo da montanha. Ele é o bam-bam-bam de uma grande corporação executiva. Jovem, bonito, brilhante, talentoso e responsável pelo o maior lançamento de todos os tempos de um tênis de uma marca que pode ser a Nike. Queridinho por todos, tem uma linda namorada, preferido do chefe. O exemplo que jovens executivos aspirariam seguir se ele não tivesse causado um pequeno deslize, um desastre avaliado na quantia irrisória de um bilhão de dólares.

Montanha-russa abaixo, ele é demitido, a namorada o abandona, publicamente humilhado, tem o rosto emplastrado em todas as revistas de negócios do país com a descrição de “loser”. E lá, do fundo do poço, no momento em que tenta acabar com a sua miséria, recebe o telefonema de sua irmã que o informa que o pai deles faleceu durante uma visita aos parentes em Kentucky, na pequena cidade de Elizabethtown, e que sua mãe precisa que ele leve o terno azul do pai, com o qual ela deseja que ele seja cremado e que traga as cinzas de volta pra casa. Pois afinal, ele sempre foi o responsável da família.

Ele, então, parte em uma jornada que irá despertá-lo para as coisas importantes da vida. O que vai além do sucesso profissional, fama, dinheiro e tudo mais que é relacionado ao American Dream.

A morte do pai de Drew é a cola que une o quebra-cabeças do enredo. No decorrer do filme, o pai transforma-se em um observador quase passivo. Os laços de afetividade entre Drew e o falecido pai se tornam mais fortes do que quando ele estava vivo. Fato nada estranho para Crowe gerando como resultado um filme repleto de pequenos momentos de genialidade.

Em grande parte, é um filme sobre as pequenas coisas: um cara encontrando parentes com quem jamais havia tido contato, um primo que sente falta de um amigo encontra em você a força que precisa para reunir sua antiga e nostálgica banda, passar o tempo na mesa da cozinha da vó planejando o funeral com os amigos do seu pai enquanto os sobrinhos pentelhos perturbam. Crowe cria um sutil toque de realismo. Feche os olhos e você consegue pôr-se no lugar do personagem principal, na casa da sua vó, esperando pelo jantar. Essas são pessoas que amavam o seu pai e você não consegue impedir a sua imersão a eles, mesmo tendo hesitado primeiramente. O verdadeiro sentimento de segurança que você encontra na família mesmo quando atravessa o que consideramos os mais difíceis percalços da vida, nos acordando para o que realmente vale a pena.

A outra parte do filme, é o romance. Pois, obviamente há uma garota que deixa a atmosfera da morte mais branda e cheia de esperança. Drew passa os seus dias em Elizabethtown com a sua família e suas noites na companhia de Claire (Kirsten Dunst), quem ele conheceu no avião de uma empresa tão falida quanto a carreira dele. Estruturalmente falando, talvez esteja um pouco fora de contexto o encontro dos dois, mas em termos emocionais é absolutamente perfeito.

Claire é uma daquelas garotas bonitas, cheias de energia, tagarelas que só parecem existir nas tramas criadas por Crowe. Ela se apega a Drew e torna sua missão pessoal, fazer com que ele consiga atravessar essa experiência infernal. No inicio, ela é incomodante, mas depois, você, assim como Drew, começa a se afeiçoar a ela. E eu nunca fui fã da Dustin, mas dando a César o que é de César, ela foi perfeita para o papel. Já no final do filme, ela não é só o objeto da afeição de Drew, como também se torna o seu guia espiritual quando ele decidi fazer as pazes consigo mesmo em uma viagem de carro retornando para casa.

Elizabethtown é uma jornada comovente, emotiva e envolvente sobre a perda de alguém querido e o encontro de si mesmo. Fora do convencional, conduzido por personagens com os quais conseguimos nos identificar, embalado por boa música como todo filme de Cameron Crowe.

O filme faz com que você reflita sobre sua vida, seus laços familiares e seu futuro. Lembro de ter deixado o cinema mais satisfeita do que quando assisti filmes que possuem um elenco impecável.