Dogville

Ficha Técnica
Título Original: Dogville
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 177 minutos

Ano de Lançamento (França): 2003
Site Oficial: www.dogville.dk

Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier

Produção: Vibeke Windelov

Fotografia: Anthony Dod Mantle
Desenho de Produção: Peter Grant

Figurino: Manon Rasmussen

Edição: Molly Marlene Stensgard
Elenco

Nicole Kidman (Grace)
Harriet Andersson (Gloria) Lauren Bacall (Ma Ginger) Jean-Marc Barr (Homem com grande chapéu) Paul Bettany (Tom Edison) Blair Brown (Sra. Henson) James Caan (Homem grande) Patricia Clarkson (Vera) Jeremy Davies (Bill Henson) Ben Gazzara (Jack McKay) Philip Baker Hall (Tom Edison Sr.) Siobhan Fallon (Martha) John Hurt (Narrador - voz) Udo Kier (Homem de casaco) Chloë Sevigny (Liz Henson) Stellan Skarsgard (Chuck) Miles Purinton (Jason)



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Esse não é um texto para induzir a assistirem Dogville, é um texto para abrir um debate com quem já viu, quem entendeu, quem acha que abrangeu o sentido da coisa, quem não captou porra nenhuma além da sensação de murro no estômago.

Sentimento que, aliás, é estético. Aprendi na aula de Imagem e Estética, que andar de montanha russa é um sentimento estético, pois estética vem do grego aisthésis, que significa sentir. Aprendi, inclusive, que sentimento estético é um termo redundante. Se estiver difícil de compreender, o contrário de estética (aisthésis) é anestesia, a falta de sensações. E é isso que a arte procura, a estética.

Lars Von Trier quem homenagea caramente o teatro de Bertold Brecht, junto com Thomas Vinteberg fundou o manifesto Dogma 95 que se propõe a cumprir 10 regras para a produção de filmes, entre elas encontram-se: não usar cenários, não usar trilha sonora, usar apenas câmera de ombro etc. Seu único filme que segue essas regras é: "Os Idiotas". Eles procuram uma falta de estética do conhecimento geral (cenário, beleza, a la Moulain Rouge – também com Kidman) e um destaque de estética no sentido grego de causar sensações e sentimentos que chegam a ser físicos, daí, o murro na boca do estômago.

Dogville não tem cenário, quase não tem música. E mesmo assim, quem procura os defeitos estéticos do filme, procura em vão. As escolhas artísticas de Lars provam que ele ainda acredita na existência de uma audiência inteligente. Audiência que se sente desconcertada a primeira vista, e até a última vista, não consegue se acomodar com a história.

O filme pinta o retrato de um pequena comunidade americana que mora longe de tudo, entre rochas, em uma minúscula e pacata cidade chamada Dogville. Mas o filme, em momento algum tem um discurso regionalista. O deslize do sereno ao sádico é um tema multicultural. Compare a heroína Grace (Nicole Kidman) à Geni da música de nosso Chico Buarque: Ambas não eram aceitas na cidade, até que elas passaram a prestar favores, e foram cruelmente repudiadas no final.

Outro mote multicultural abordado pelo filme, que eu acredito ser o feixe principal, é a arrogância. Que é contada em capítulos na película de Lars.

No epílogo, somos apresentados aos moradores de Dogville. Alguns deles são: Tom, o escritor que presunçosamente sonha com os louros dos prêmios literários mas apenas escreveu em uma folha de papel branco as palavras: “grande?” e “pequeno?”; a moça da igreja, que toca o sino dando as horas e teimosamente espera por um padre que nunca virá (menção ao Messianismo), um cego que altivamente finge que enxerga, duas senhoras soberbas que trabalham em uma loja onde tudo é caro demais para a pobre Dogville; a única moça bonita da cidade, que trabalha com copos de segunda mãe transformando-os em bonitos copos que pareçam de primeira categoria “mas cuidado, eles são frágeis” (ela diz em alusão a uma metáfora de Dogville), ma moça também diz que apenas ficou feliz com a chegada de Grace para se livrar dos olhos dos homens de cima dela.

A glacial e sólida Grace da o ar da Graça em Dogville. Ela chega fugida de um gangster, o seu pai. Eles tiveram uma feia discussão a cerca de quem era o mais arrogante. O pai, pau da vida, tenta atirar na filha, que foge sem sequer olhar pra trás, ela se comprometeu a provar ao gangster a existência da bondade humana. Lars Von Trier, esfrega as mãos e diz “há há há!”.

Os capítulos declinam do amor que Grace sente a subjugada humilde Dogville e seus simplórios cidadãos, que se propõe a prestar favores para os moradores que arrogantemente relatam que "não precisam de favor algum", tentando fazer com que a cidade a ame do jeito ela a ama e não a entreguem para os gangster; a uma série de desventuras como cada cidadão vai se aproveitando e machucando-a cada vez mais, a super-exploram – mesmo quando eles não necessitavam de ajuda – estupram-na incontáveis vezes – o que antes faziam com os animais, fazem com Grace. Ela, agora, desiludida, tenta fugir mas não tem sucesso, e, para selar o caráter animalesco e canino, Dogville coloca uma coleira em Grace. Depois de tudo, Dogville, conduzida pelo namorado de Grace, decide entregar a fugitiva aos gangsteres. O papai de Grace quem ela não havia ligado em busca de socorro por pura arrogância e teimosia para não admitir que estava errada.

Ele chega e mais uma vez eles discutem sobre quem é mais arrogante, e quando ela assume a sua presunção, ela enxerga que Dogville é mais orgulhosa que ela, pois no seu lugar, ela teria feito diferente. E tudo que Grace quer em sua vida é fazer a diferença, tornar o mundo melhor. Nesse âmbito ela chega à conclusão que o mundo seria um lugar melhor se Dogville não existisse. Mata todos os moradores, queima a cidade, deixando vivo apenas o cachorro.

O pior (ou melhor) de tudo é alcançarmos a conclusão que talvez não estejamos em frente a uma obra de ficção, talvez a verdade esteja ali, pintada como nunca fora antes. Talvez mereçamos que um Deus intolerante olhe de volta aqui pra baixo e nos esmague. Talvez não haja redenção onde os cães se escondem sob peles de homens… Mas onde, onde é isso? Talvez, “em uma pacata cidade não muito longe daqui”.


Vocês não acham?

Mais Estranho que a Ficção

Direção: Marc Forster

Roteiro: Zach Helm

Elenco: Will Ferrell (Harold Crick), Maggie Gyllenhaal (Ana Pascal), Queen Latifah (Penny Escher), Emma Thompson (Kay Eiffel), Dustin Hoffman (Professor Jules Hilbert), Kristin Chenoweth (Anchorwoman), Tom Hulce (Dr. Cayly), Linda Hunt (Dra. Mittag-Leffler), Tony Hale (Dave), Denise Hughes (Carla)
[Veja os participantes de "Mais Estranho que a Ficção"]

Duração: 113 min.

Gênero: Comédia/Drama





Minha vida com mimimi

Não suporto comédias românticas. Não é que eu não seja romântica, é que as “heroínas” da maioria desses filmes são chatas pra caralho. E se eu for totalmente sincera, o motivo real, único e verdadeiro, é que eu – GraçasaDeusPaiLouvadoIdolatradoAmém - não me identifico com elas.

Existe uma lista de poucas coisas que eu deixaria de fazer para ver um filme que estrele a Diane Keaton, Julia Roberts, Jennifer Lopes, Reese Whiterspoon, Mandy Moore, Jennifer Love Hewitt e Drew Barrymore (quem só está perdoada por E.T, Confissões de uma mente assassina e Garotos de Minha Vida). Na lista constam coisas como ser esmurrada no coração, comer sopa de vidro, pisar em vômito de cachorro em quanto eu estiver calçando meias. Essas coisas, bem, vocês têm idéia. Me chamem para assistir Serpentes a Bordo um milhão de vezes, mas não me chamem para assistir Um Amor para Recordar. Acho muito mais real o Samuel L. Jackson (REI!) matar cobras ouriçadas por ferormônio em um avião, que um bonitão casar com uma mina insossa porque ela está morrendo de câncer. Que um ricão casar com uma prostituta da Rodeo Drive. Que uma jornalista adulta voltar ao colégio e passar por adolescente e ela nunca foi beijada. Que a vozinha chata da Reese com o sotaque texano. E ver qualquer outra coisa dolorosa que estrele as Jennifers (Love Hewitt, Lopes, e agora, estendo meu convite à Aniston).

MAS, se eu sentir a mínima identificação com a politicamente incorreta mocinha... danou-se.

É isso que acontece com a Anna Pascal (Maggie Gyllenhaal), que tem uma tatuagem enorme no bracinho fininho, dona de uma padaria, pois acha que essa é a parte dela em tornar o mundo um lugar melhor, está tendo uma auditoria porque sonegou imposto de renda – não o imposto completo, só a parte designada às propagandas políticas, na qual ela explica em uma carta, junto com a sua declaração, carta que começa com “Querido Governo Chauvinista Capitalista”. Tá, não tenho uma tatuagem enorme no braço, pior ser dona de uma padaria, mas sou bem consciente quanto o que o dinheiro diz que faz com os meus impostos.

Mas, essa não é a estória de Anna Pascal, como fala a primeira frase do filme: “Essa é a história de um homem chamado Harold Crick e seu relógio de pulso”.

O filme é mais um da linha que os personagens principais sabem que vão morrer e o enredo gira em torno disso. O filme é uma inteligente dramédia, um perspicaz romansia.

Harold Crick (Will Ferrell no papel que o lança ao patamar de Jim Carrey, Robin Willians e outros atores que sabem maestrar BEM a comédia e a tragédia) é um homem solitário, que tem como parte mais humana do seu corpo, o seu relógio de pulso. Enquanto Harold Crick conta os passos até a parada de ônibus, o relógio adora quando ele corre, pois sente o vento bater em sua fronte de vidro. E é o relógio que fica de saco cheio da automatização de Harold e resolve agitar as coisas, parando e descontrolando a sua minuciosamente planejada rotina.

A vida de Harold é narrada por uma voz feminina, e isso não é feito deliberadamente, logo, entende-se que a vida ordinária dele é um livro, a autora narra, e sua vida vai ficar mais interessante quando – pasmem – ela narra que o simples ato do relógio parar vai levar à morte eminente do personagem principal.

Então, Harold enlouquece e vai procurar ajuda, primeiro com uma psiquiatra, pois ele ouve a narradora em sua cabeça, e ela o manda para um expert (o SEMPRE brilhante Dustin Hoffman) em literatura, para decifrar mais sobre o enredo. Um dos melhores diálogos do filme, é quando os dois sentam e tentam debater se a vida dele é um drama ou uma comédia, e puxa, quem já não pensou nisso.

Convencido que vai morrer e certo de que isso é o melhor para todo mundo, Harold, vai viver a vida que ele sempre quis, e não, não são coisas absurdas, ele vai comprar uma guitarra para aprender a tocar, pois ele nunca teve tempo, e se declara à Anna Pascal.

O filme é dirigido por Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca) traz referencias e homenagens claras à Kauffman (Brilho Eterno de uma mente sem lembraças). Sério, quem em sã consciência não faria uma homenagem à Kauffman? Eu daria o meu primeiro filho a ele.

Aqui, uma cena do filme que carrega um dos maiores mistérios já expostos na humanindade. "Por que as minas legais de vez em quando curtem um nerd?"


Minha Vida Sem Mim

My Life Without Me, Canadá/Espanha, 2003.
Direção e Roteiro: Isabel Coixet, baseada no conto Pretending the Bed is a Raft, de Nancy Kincaid.
Elenco: Sarah Polley, Amanda Plummer, Scott Speedman, Leonor Watling, Deborah Harry, Maria de Medeiros, Mark Ruffalo, Julian Richings, Jessica Amlee, Kenya Jo Kennedy, Alfred Molina.
Fotografia: Jean-Claude Larrieu. Montagem: Lisa Robison.
Direção de Arte: Carol Lavallee.
Música: Alfonso Vilallonga.
Canção: "Senza Fine", de Gino Paoli.
Figurinos: Katia Stano.
Produção: Esther García e Gordon McLennan. Site Oficial



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Ainda na linha de filmes que os personagens principais estão na eminência da morte, se o primeiro foi sobre o quarentão que já havia passado os melhores dias e queria aqueles bons e velhos tempos de volta, o segundo é sobre uma jovem garota que nem teve o tempo de aproveitar a vida plenamente e já tem de se despedir.

A maioria dos filmes sobre doenças terminais nos apresenta duas horas de incontáveis clichês – confrontos melodramáticos com amigos e familiares, a ceninha que a pessoa quase morre, mas tem um despertar, e todo mundo chora de alegria, a mudança repentina de atitude quando o portador da doença tem a ciência que vai morrer e não há nada que ele possa fazer a não ser escalar o Everest, viajar o mundo e encarnar o Calígula, a cena da morte, ou, o pior de tudo, a cena da cura milagrosa do último instante.

No filme escrito e dirigido por Isabel Coixet's, My Life Without Me (Minha Vida Sem Mim – não é excelente quando não temos uma tradução de título esdrúxula?), Ann (Sarah Polley) é uma bela jovem de 23 anos, casada com o primeiro namorado(o garoto que tirou as camisa para ela enxugar as lágrimas no show do Nirvana), mãe precoce de duas garotas adoráveis, trabalha como faxineira em um colégio, mora com o seu amado (e constantemente desempregado) marido e as duas filhas em um Trailer no quintal da mãe, nunca viajou, não terminou os estudos e agora descobre que tem um câncer inoperável no ovário. O pior de tudo é que não seria problema se ela fosse mais velha, mas devida a sua tenra idade, o seu metabolismo acelera a doença e sua expectativa de vida é de três meses.

Minha Vida Sem Mim consegue sair da trilha desses filmes clichês sobre a morte. O filme é triste, não tenha dúvidas, afinal, que filme sobre alguém que está morrendo é feliz? Mas, ele evita o sentimento depressivo que estes filmes nos propõe. Também está longe de ser uma afirmação simplista sobre os valores da vida. Acho que é porque a personagem principal, simplesmente se recusa a ser uma vítima.

Ann não teve uma maravilha de vida, e aos 23 anos descobre que vai morrer. Ao invés de sair por aí porralouqueanco, enfurecida, se derramando em lágrimas (o que eu definitivamente faria), pois acredito que a maioria das pessoas prefere a vida que a morte, mesmo que seja uma vida de merda, ela faz uma lista pequena e singela sobre as 10 coisas que ela tem que fazer antes de morrer, como por exemplo: gravar cassetes de aniversários para as filhas até que elas façam 18 anos, achar alguém apropriado para que o marido e as filhas fiquem bem quando ela partir, visitar o pai na prisão.
Esse é o perfil de uma jovem que, apesar da crise que passa, se recusa a sentar e ser alvo de pena e que tem como objetivo maior do que a sua felicidade no pouco tempo que tem, ela quer que a sua família esteja bem pelo tempo que lhes resta além dela, e por isso ela começa a planejar a vida sem ela.

Mas, ela também tem uma lista que tende ao lado egoísta. Ela quer saber como é dormir com outro homem (pois o seu marido foi primeiro e único), fazer com que alguém se apaixone por ela, mudar o cabelo, fazer as unhas com uma manicure profissional e falar o que pensa (tirando a parte que ela mantém da família e dos amigos a parte que ela vai morrer e que está tendo um caso). Antes de julgá-la, lembre-se que estamos falando de uma garota que nunca viajou, não terminou os estudos, e não teve nenhum feito importante.


Este foi o primeiro filme que vi com Mark Ruffalo (ele interpreta o amante de Ann) que está adorável em seu papel. O filme é produzido por Almodóvar e, nós, definitivamente, sentimos nuances de “Fala com Ela” ali, seja na brandura, beleza e naturalidade dos pensamentos de Ann para com ela, e ela somente:

"...Este é você, na chuva.
Nunca pensou que fosse fazer algo assim.
Você nunca se viu como - não sei como descreveria - como uma dessas pessoas que gostam de olhar a lua ou que passam horas contemplando as ondas ou o pôr-do-sol. Deve saber que tipo de pessoas estou falando. Talvez não saiba.
Seja como for, você gosta de ficar assim: lutando contra o frio, sentindo a água penetrar na sua camisa e a sensação do chão ficando fofo debaixo dos seus pés e do cheiro. Do som dá água batendo nas folhas e todas as coisas que estão nos livros que você não leu.
Esse é você.
Quem teria imaginado?
Você."

Ou na aparição de algum personagem excêntrico como a cabeleira que é a única fã do Milli Vanilli que resta no mundo inteiro, o médico que não consegue mais olhar no rosto das pessoas por ter que contar más notícias, e da garçonete cujo sonho e ganhar na Lotto para fazer cirurgias plásticas e se transformar na Cher.

Gosto desse filme pela diferença, pela apatia real que ele mostra. Ele não é um clichê.Nem todo mundo que descobre que tem câncer terminal tem dinheiro para viajar o mundo, nem todo mundo quer ser uma vítima, nem todo mundo quer fazer uma reviravolta e nem todo mundo que vive uma vida sem grandes feitos deve se sentir mal por isso. Nem todo mundo acha que o mundo inteiro deve parar no dia que pára de existir.

Beleza Americana

Título Original: American Beauty
Gênero: Comédia / Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1999
Site Oficial: www.americanbeauty-thefilm.com
Estúdio: DreamWorks SKG
Distribuição: DreamWorks Distribution / UIP
Direção: Sam Mendes
Roteiro: Alan Ball
Produção: Bruce Cohen, Dan Jinks, Alan Ball e Stan Wlodkowski
Música: Thomas Newman e Pete Townshend
Direção de Fotografia: Conrad L. Hall
Desenho de Produção: Naomi Shohan
Figurino: Julie Weiss
Edição: Tariq Anwar e Christopher Greenbury


Elenco
Kevin Spacey (Lester Burham)
Annette Bening (Carolyn Burham)
Thora Birch (Jane Burham)
Wes Bentley (Ricky Fitts)
Mena Suvari (Angela Hayes)
Peter Gallagher (Buddy Kane)
Chris Cooper (Coronel Fitts)
Allison Janney (Barbara Fitts)


*****

Eu adoro Beleza Americana. Esse filme é uma comédia, certo? Eu, pelo menos, acho que é, apesar de me lembrar ser uma das poucas pessoas a rirem no cinema pelo absurdismo dos problemas do nosso anti-herói. O filme também é um drama, pela parte que ele – intrigantemente - nos sensibiliza. Em alguma maneira curiosa, aquele personagem confuso, imaturo, inseguro e quase pedófilo é envolvente.

O filme trata da história de um homem que está com medo de envelhecer, na verdade, DESAPARECER, seria a palavra mais apropriada. Essa é a parte que (alguns de nós) rejeitamos, mas, andando de mãos dadas com esse primeiro medo está o receio que ele tem em não conseguir enxergar a beleza nas pequenas coisas, à esperança no amor verdadeiro e que as pessoas mais próximas, percam totalmente respeito e admiração. Aí, não há como não empatizar com ele. Se você não consegue porque nunca experimentou esses sentimentos, me ligue, pois eu tenho muito que aprender com você.

Lester Burnham, o nosso anti-herói do filme, é interpretado por Kevin Spacey como o homem que é mal amado pela filha adolescente, ignorado pela mulher que vive acordada o American Dream, e dispensável ao trabalho que passou grande parte de sua vida exercendo.

Como ele fala logo nas primeiras frases do filme (o anti-herói é, também, narrador, ele narra o seu passado, não estando ciente pois ele narra suas memórias), “Meu nome é Lester Burnham. Em um ano, eu morrerei. De certa forma, eu já estou morto”. Se você vê a comicidade que existe no personagem principal do filme falar nos primeiros minutos que ele vai morrer, me ligue, pois temos muito que conversar.

Em seguida, conhecemos a mulher dele, Carolyn, que tem mania de perfeição e projeção da “imagem de felicidade” (what the fuck???). Na primeira cena dela, ela está a cuidar do seu jardim de rosas chamadas “Beleza Americana” combinando, nada acidentalmente, as cores do alicate e dos sapatos de jardinagem. As rosas estarão presentes no filme inteiro. Depois, somos apresentados a Jane, a filha adolescente ácida que está juntando dinheiro para fazer uma cirurgia de implantes nos seios, quando ela CLARAMENTE não precisa disso. As duas, mulher e filha, se envergonham de Lester.

Tudo muda para o personagem principal, na noite que ele é quase obrigado a assistir a uma apresentação da filha no colégio. Ele vê e se apaixona por Angela, a melhor amiga dela. E o que se segue pode parecer, para alguns, como uma história da estirpe de Lolita, mas, na verdade, é sobre o redespertar da paixão para a vida. A menina foi só a faísca que ateou o fogo.

Angela não é a sua estrada para felicidade. É o catalisador da liberdade. Ela o liberta de anos de paralisia emocional. Ela o tira do ponto em que ele havia se petrificado e parado de sonhar, e o coloca em uma situação na qual ele deseja ganhar respeito, poder e beleza.

Paralelamente, Carolyn e Jane passam por seus próprios problemas amorosos. A mulher começa a ter um caso com a pessoa que é a sua versão masculina. Enquanto Jane descobre a sua ternura e delicadeza graças ao excêntrico, belo e novo vizinho da frente.

Ricky, o vizinho da frente, é, exatamente, o antagônico de Carolyn. Ele, para se proteger do pai , o Coronel Fitts, um militar rígido que o controla através de exames de drogas pela urina, projeta uma imagem de apatia, quando tudo o que ele vê é beleza e emoção.

Nenhum dos personagens é inteiramente mau ou bom, e essa é parte da beleza do filme. Eles são moldados pela sociedade de tal maneira que eles não podem ser eles mesmos. Lester, o inútil que vai mexer com a vida de todos eles. Carolyn, a perfeccionista insegura. Jane, a adolescente que esconde a sua doçura por de trás da acidez. Ricky, o anestesiado altamente sensível. Pai do Ricky, o coronel gay. Angela, que é conhecida por todos na escola como puta, por preferir mentir a falar que é virgem. Por isso o filme é intitulado depois de uma linda rosa sem odor e sem espinhos, metáfora do vazio do americano comum que tenta mostrar mais do que parece ser. E nada é o que parece ser.

As performances dos atores dançam com harmonia perante as linhas da paródia e realismo. É lindo ver a evolução de Kevin Spacey no desenvolver do filme, como aquele que começou sem noção do que estava acontecendo ao redor dele, para aquele com o brilho nos olhos e riso no canto da boca por ser o único ciente de tudo. Aquele que faz as coisas mais incoerentes e irresponsáveis mas, pára de interpretar o papel que a sociedade exige que se submeta. E ele pode ter perdido tudo no final do filme, mas ele ganhou-se de volta.

Beleza Americana é o hino da rebelião de Lester Burnham. DE TODO Lester Burnham. Daquele que existe em mim e em você, que está ali coagido, entediado, menosprezado, querendo desencaixotar os LP’s do Led Zeppelin, trabalhar em um emprego que - apesar de parecer inóspito - te apraz, possuir as coisas que ama. Que quer passar o resto da vida que lhe resta vivo.