O Iluminismo dentre os períodos Pós-Porky’s e Pré-American Pie

Digam o que quiserem

Título Original: Say Anything
Gênero: Comédia Romântica
Tempo de Duração: 100 minutos

Ano de Lançamento (EUA): 1989
Estúdio: Twentieth Century Fox
Distribuição: Twentieth Century Fox
Direção: Cameron Crowe
Roteiro: Cameron Crowe
Produção: Polly Platt
Música: Anne Dudley, Richard Gibbs
Elenco: John Cusack, Ione Skye,John Mahoney, Lili Taylor, Amy Brooks, Joan Cusack

*****

Que eu gosto dos filmes de Cameron Crowe, é obvio. Não, é descarado. Nem por um segundo faço questão de esconder a colossal admiração que sinto pelo homem que trabalhou na Rolling Stones Magazine entrevistando lendas como Led Zepellin, Dylan, Cream, Bowie aos tenros 15 anos de idade. Hoje, ele dirige todos os filmes que escreve. E se você pensar que se melhorar estraga, aqui não é o caso, ele é casado com Nancy Wilson que faz parte da banda Heart e dá o primoroso toque das trilhas sonoras singulares de seus filmes.

Mas, não é por causa do meu tietismo que sustento que Digam o que quiserem é um dos melhores (da enorme linhagem de) filmes de romance adolescente de todos os tempos. Senão for o melhor (agora sim, isso é um pouquinho tietismo). Até porque na época em que assisti, nem me interessava em inteirar-me com quem estava por de trás das câmeras do mundo cinematográfico.

Já em 1989, o jovem Crowe tinha um perfeito (porém curto) histórico cinematográfico. Ele estreou nas telonas em 1982 quando escreveu o roteiro de Picardias Estudantis. Filme que levou ao estrelato atores como Nicolas Cage, Sean Penn e Eric Stolts. Apesar de que, naquele momento, nenhum de seus projetos tenham sido considerados blockbusters, com os dois filmes Crowe provou ser um atento estudioso da natureza das relações humanas. A pretensão dele é proporcionar à audiência uma experiência rica e recompensadora.

O filme de debute direcional de Crowe, em disparidade com os outros filmes do mesmo gênero, não é recheado de cruéis piadas sexuais, nudez, população lobotomizados e subenredos pobremente definidos. Enquanto o filme vai avançando, pinceladas de estórias familiares são pintadas na tela do cinema. Mais uma vez, são os detalhes que dão cor ao enredo: personagens inteligentes e bem desenvolvidos, situações acreditáveis, fazem com que haja o nosso investimento emocional quase sólido nas personagens e nas circunstâncias do desenrolar do trama. Não há nada que super-explore os hormônios, nem que seja complacente com as bobagens exorbitantes que se faz quando temos a pouca idade para usar como desculpa. Capturando as nuances do primeiro amor Digam o que quiserem conta com um sutil humor como realmente é a cuidadosa construção do caminho à vida adulta.

Digam o que quiserem é basicamente um drama de três personagens que atravessam um verão repleto de eventos. No final do filme, nós não só ficamos cativos dos protagonistas, como os conhecemos, gostamos deles e torcemos para que as coisas acabem bem.

Lloyd Dobler (John Cusack) é um cara normal que está prestes a se formar no colégio. Quando Digam o que quiserem inicia, ele está se arrumando para sua cerimônia de graduação. Apesar de ele ter um futuro aberto, seu pai deseja que ele se inscreva no exército, mas Lloyd não acredita que isso seja apropriado para ele. Lloyd sabe que ele não quer trabalhar com vendas, compras ou processos, e que a única coisa que ele gosta de fazer e que é bom, é Kickboxing. O amor colegial de Lloyd é a linda e popular oradora da classe, Diane Court (Ione Skye). Lloyd a ama platonicamente, mas depois da graduação ele cria coragem e a convida para sair. Para o deleite de nosso protagonista, ela aceita. Eles, então, se direcionam para a casa de um dos colegas de classe onde ocorre uma festa de despedida do Highschool. Lá, ela aprende uma valiosa lição: enquanto ela é popular e conhecidas por todos, ninguém a conhece de verdade. Ela também descobre que diferente dos outros, Lloyd parece a compreender e passa a se afeiçoar por ele, apesar deles não terem virtualmente nada em comum.

Os pais de Diane são divorciados (o que era raro na época) e ela mora com o seu pai James (John Mahoney), um homem de negócios que gerencia um asilo. Ele tem um enorme apreço pela filha e mostra isso com presentes caros. As expectativas dele sobre o futuro dela a deixam muito pressionada. Quando ela recebe uma prestigiosa bolsa de estudos na Inglaterra, ele fica mais feliz do que ela. Ele desconfia profundamente de Lloyd, especialmente quando o jovem descreve sua aspiração de carreira sendo “passar o maior tempo possível com a sua filha”. E, com a chegada de dois fiscais da fazenda, o mundo de James vira de ponta cabeça.

O que faz Digam o que quiserem tão excepcional? Fácil, a qualidade da escrita. A intimidade com que a máquina datilográfica (ou caneta) de Crowe nos conecta com Lloyd e Diane. Crowe presta atenção nos pormenores, os microscópicos, como o momento em que Lloyd pausa nervosamente antes de digitar o último número do telefone de Diane ao ligar para convidá-la para sair pela primeira vez.

Teria alguém mais apropriado e para uma empatia instantânea da audiência com o personagem de Lloyd do que John Cusack? Cusack investe tal sinceridade ao retratar Lloyd que se torna impossível não torcer para que ele consiga a garota. Ele é o clássico deslocado, aquele deslocamento que nós todos sentimos algumas vezes. Ele é irresistível POR CAUSA de suas falhas e não apesar delas. Ione Skye é completamente acreditável como a garota doce e inteligente, que de repente, quer aprender a se divertir por ter dado conta que não tem apreciado a sua juventude. Apesar de não existir apelação sexual no filme, a química entre os dois está presente. O ator veterano dá o sentido de multidimensionalidade para o papel de pai opositor que frequentemente toma estaturas idióticas nesse tipo de filme. Embora o pai não goste de Lloyd, ele não tenta fazer estratégias maquiavélicas para afastar a filha, tampouco se torna em um bruto sem coração.

Digam o que quiserem é uma comedia adolescente romântica, mas ela procura manter proporções reais, ao invés da fantasia apresentada em outros filmes do mesmo gênero. O filme não é intelectual, mas inteligente. Ele não espera nada da audiência além da vontade do espectador de se de se desligar de seu mundo por umas duas horas e prestar atenção nesse casal. E a despeito do filme ter quase duas décadas, o seu tema é tão atual hoje quanto no dia que entrou em cartaz.

4 comentários:

Anônimo disse...

ter insônia às vezes vale a pena: assisti "digam o que quiserem" de madrugada na tv aberta. confesso que foi só por causa do john cusack, que eu amo, mas “passar o maior tempo possível com a sua filha” como objetivo de vida me fez amar o filme também.
outro tão lindo quanto, na minha opinião melhor, também visto por acaso em uma noite sem dormir foi "antes do amanhecer", de richard linklater. assista e me conte. se é que você já não viu.

Silvinha disse...

Vc foi singela no titulo, hein? X)

Mais um que vai para minha lista!

Paulo Bono disse...

como disse, gostopaporra do Crowe.
mas nunca assisti o Digam o que disserem. Vou procurar.
e por isso mesmo não li a parte que você falou do filme.

abraço, crítica.

Chantinon disse...

Rapaz... dos filmes desse cara o que mais gostei (até esse momento) foi "Quase famosos".
Mas com essa sua descrição... vou correr para ver esse ai.
Infelizmente, MUITAS vezes, a ótica feminina sobre filmes diverge bastante da masculina...
Depois conto o que achei..

Bjs